Base Nacional Comum Curricular: implementação e desafios

Base Nacional Comum Curricular: implementação e desafios

A Examen, revista científica do Cebraspe, entrevistou o Professor Doutor Joaquim José Soares Neto sobre a implementação e os desafios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Veja a entrevista abaixo.

1- Como relator do parecer que instituiu a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nos conte como foi sua participação na construção desse documento.

A BNCC é um documento com o intuito de fomentar a educação. O papel do Conselho Nacional de Educação (CNE), do qual faço parte, é que, enquanto órgão normativo da educação, recebeu um documento do Ministério da Educação (MEC) e passou a estudar o documento.  Iniciamos o trabalho de leitura, discussão e organizamos as audiências públicas pelo Brasil. No total, fizemos cinco audiências públicas, uma por região do país e coletamos todas as participações. A educação traz muita discussão, muitos pontos em diferentes visões e tudo isso foi percebido em um ambiente bastante democrático. Recebemos documentos de pessoas, de associações e de grupos organizados. A partir daí o Conselho, com base nas discussões internas, nas audiências públicas e nos documentos recebidos, enviou o documento para o MEC com a instrução de que eram aqueles os pontos que estavam sendo colocados, e que, com base nisso, eram recomendadas as modificações necessárias. O Ministério fez as alterações e ao analisarmos o documento, outras mudanças foram necessárias e então aprovamos a versão final.

2-O senhor diria que o principal desafio foi convergir essas visões diferentes e a conquista foi a elaboração da Norma?

Sim, a convergência na democracia é muito importante. Ainda mais em um país com uma população de pouco mais de duzentos milhões de habitantes, sendo um quarto dessa população, cinquenta milhões de pessoas, de crianças, jovens e adultos. A Base vai influenciar a vida dessas pessoas diretamente, mas é claro que vai influenciar a vida da sociedade como um todo porque a educação é estruturante. No final do processo, a BNCC foi aprovada pela maioria, tanto na educação infantil e ensino fundamental como no ensino médio. Com isso temos uma norma abrangente e essa é uma conquista de todo esse processo.

3- Considerando que a BNCC é uma base comum e o Brasil é um país continental com regiões e realidades muito diferentes, fale um pouco dos aspectos comuns e como as diversidades serão contempladas a partir da Base.

Comum significa que nós temos um país, é uma federação autônoma e, de acordo com a nossa Constituição, os estados e municípios têm autonomia em relação à educação. A educação tem uma parte que é da nação e tem outra que é particular de cada local em razão das diferenças culturais. Então, nós temos o que é comum e o que é diverso, o que é comum vai valer para todos nós e isso é muito importante porque está associado a unidade nacional, ou seja, todos os alunos brasileiros sejam eles do Sul, do Norte, do Leste ou do Oeste, sejam eles de uma escola indígena ou de uma escola da cidade, todos terão acesso a essa base comum.  O currículo da escola vai ter que contemplar a Base, mas vai considerar também a parte diversa, que é a parte especifica de cada região.

4-Na sua visão de professor, quais as consequências práticas da BNCC e da reforma do ensino médio para a educação?

Vamos por partes então, primeiro a BNCC: o país hoje tem uma norma discutida amplamente pela sociedade e aprovada pelo Conselho Nacional de Educação que estabelece direitos e aprendizados, ou seja, quais os direitos de aprendizados que cada criança ou jovem deve ter está especificado. Esse é um ponto muito importante da base comum, toda criança ou jovem brasileiro tem direitos estabelecidos e explicitados na Base Nacional Comum Curricular.

Sobre a reforma do ensino médio: estamos percebendo há algum tempo como era organizado o ensino médio no Brasil antes da reforma, ou seja, a mesma estrutura para todo mundo. Além de se ter como consequência uma massa imensa de conteúdos que o jovem precisava absorver, que é incompatível com o tempo disponível, tem a questão do desinteresse, com a quantidade imensa de conteúdos. A reforma se constitui de uma lei e depois da base do ensino médio, o que propicia aderência a essa lei. Então, agora você tem os itinerários: a partir de uma composição, cada aluno pode seguir diferentes itinerários e, a partir do ensino médio, começa a fazer escolhas. Ao mesmo tempo que é uma tentativa de simplificar também é uma abertura para o jovem escolher os itinerários com os quais possui maior afinidade. Isso já acontece em vários países do mundo.

5-A BNCC foi criada com a necessidade de ampliar a equidade no sistema educacional brasileiro. Alguns especialistas dizem que, para a implementação, precisaria haver uma contrapartida financeira do Estado. Como o senhor enxerga essa afirmação? 

A equidade em um país como o Brasil, que possui grandes desigualdades sociais, é algo muito importante. Se você olhar o panorama, verá que as crianças que moram em bairros mais pobres têm escolas com menor e mais frágil estrutura. Nos exames nacionais, como a Prova Brasil, percebe-se que a tendência dessas crianças é aprender menos, então você tem que superar essa questão. A equidade vem no sentido da superação desse problema de desigualdade educacional. Por vários motivos, mas em especifico devido a questão sócio econômica, crianças e jovens têm condições de aprendizagem diferente das que tem outras condições, então nós temos que vencer isso para permitir que todos tenham igualdades e oportunidades quando terminarem, por exemplo, a educação básica. Concluindo: ao você ter uma Base que é de direitos, esses direitos serão olhados e garantidos. E o investimento do estado tem que ser compatível com as perspectivas de equidade..

6- Algumas pessoas dizem que a BNCC seria uma dimensão regulatória restritiva que poderia conduzir a uma formação “sob controle”. O que o Senhor pensa sobre isso?

Se olharmos a Base, veremos que é uma base e não é um currículo, ou seja, os municípios e escolas têm ampla autonomia. O que está sendo colocado, que é muito importante, é que nós temos algo em comum de todos os brasileiros. E eu não acho que isso seja algo restritivo ou não democrático porque a Base é bastante ampla na forma como foi estruturada.

7- Segundo a BNCC, os currículos deverão considerar a formação integral dos estudantes de maneira a contemplar o projeto de vida nas dimensões física, cognitiva e sócio emocional. O que a Base apresenta sobre as competências sócio emocionais também tidas como não cognitivas? 

Essa foi uma questão muito discutida, de que o processo educacional deve contemplar a parte cognitiva, mas tem outras dimensões não cognitivas que também devem fazer parte desse processo. A questão, por exemplo, da relação com o outro é muito importante, ou seja, uma educação em que a criança ao mesmo tempo que tem um crescimento pessoal também tem um conhecimento em relação a viver em sociedade. Contemplar essas dimensões foi um avanço, pois são inerentes ao processo educacional.

8- Como o Senhor acredita que essas competências podem ser trabalhadas nos currículos escolares?

Tem muita gente pensando sobre essa questão, mas como será desenvolvido vai ser uma decisão da escola. Um bom exemplo seria em atividades artísticas ou de educação física, nas quais é mais fácil visualizar habilidades que tenham relação com o outro, como aceitar a opinião e a diferença. Em um país democrático tudo isso tem que ser debatido: na escola, com a família, com os pais, com os professores, com a comunidade escolar, mas o que importa é que as crianças e jovens aprendam as habilidades cognitivas, mas também as sócio emocionais, importantíssimas para o convívio em sociedade.

9- Como o Senhor visualiza o impacto da BNCC na avaliação educacional em larga escala?

Toda avaliação educacional de larga escala vai ter que se alinhar a BNCC, mas eu acho que é um movimento importante porque as crianças têm que ter uma escola, como já foi garantido pela Constituição de 1988, mas só isso não basta. Nós temos que garantir que o ensino seja de qualidade e equânime. A Base chega para deixar mais linear o conhecimento que será aferido pelas avaliações de larga escala.  Como a base comum tem que ser contemplada nos currículos das escolas e das redes, então nós temos agora um currículo e a partir do currículo nós temos uma avaliação educacional e não o inverso, que era uma matriz gerada pela avaliação e, por consequência, adicionada aos currículos escolares.

10- De que forma a BNCC muda o ensino médio? Quais os benefícios para a formação dos estudantes e os ganhos para a educação Brasileira?

     Na verdade, sabemos que uma política pública tem seu tempo para ser implementada (e precisa ser bem implementada) e para podermos perceber os resultados. Mas os passos que vêm sendo dados tiveram uma articulação muito forte entre os órgãos da União e o MEC. A discussão promovida pelo Conselho Nacional de Educação com os estados e municípios também foi bastante enriquecedora, assim, acredito que todos participarão de forma bastante efetiva do processo de implementação. O novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) está discutindo como será o financiamento para a implementação dessa política pública.  Todo o trabalho de implementação da Base deve contar com o apoio dos estados e da união, no que tange à suplementação e ao apoio técnico. Toda essa articulação tem que ser muito exitosa para a política ter sucesso. Depois de um certo tempo vamos nos perguntar se conseguimos mudar um panorama de desigualdade educacional. Os alunos, sejam eles de que grupo social forem, estão aprendendo de forma compatível? Se isso estiver acontecendo estaremos conseguindo superar um dos nossos maiores problemas nacionais.